Comportamento das Aves
A evolução da avicultura industrial nos últimos 20 anos em setores como nutrição, sanidade, genética e ambiência é notória, e o resultado é a produção de uma proteína animal de qualidade e segura. Mesmo com todas as melhorias, ainda vemos muitos problemas relacionados a aspectos de manejo que acabam prejudicando o desempenho das aves, os quais impactam os custos de produção.
Por Thalys Lima, Assistente Técnico de Aves
Entender a dinâmica de uma granja e, principalmente, a fisiologia e o comportamento das aves pode ser um ponto chave para que possamos otimizar o manejo e, assim, produzirmos de maneira mais eficiente e sustentável.
As aves são como nós, seres humanos, que respeitamos um relógio biológico chamado ritmo ciarcadiano. São esses ciclos que determinam horário de sono e fome, e controlam o comportamento e a fisiologia das aves (PITTENDRIGH, 1993).
O ritmo circadiano ocorre de maneira ciclica e natural, sem a necessidade de qualquer intervenção externa. A principal responsável pelo ritmo circadiano nas aves é a glandula pineal, cuja secreção hormonal é influenciada pelo fotoperiodo (HIATT, 1999).
As aves são animais que quando presentes na natureza normalmente vivem em bandos, como forma de se proteger dos predadores. No galpão de frangos de corte não é diferente, pois podemos perceber de maneira muito clara a existência destes movimentos em bandos, os chamados ciclos de atividade.
No início do ciclo, todas as aves estão dormindo, até que algumas começam a se levantar e se movimentar. Em seguida várias aves começam a ter o mesmo comportamento, formando um grande bando, estimulando as demais aves do galpão, até que a grande maioria dos animais estejam presentes junto ao bando, nos comedouros e bebedouros. Após se alimentarem, as aves começam a se deitar para descansar e, ou dormir, e o ciclo de atividade se encerra (CZARICK et al, 2020).
Neste momento, precisamos entender que dentro do ritmo circadiano que tem aproximadamente 24 horas (CZARICK et al, 2020), existem vários ciclos de atividade no qual as aves expressam seu comportamento ao longo do dia dentro de uma granja. A existência dos ciclos de atividade está diretamente corelacionada com o bem estar dos animais.
Os ciclos de atividade também são considerados movimentos naturais, porém diversos fatores ambientais podem afetá-los diretamente. Além da luz, a temperatura ambiente, temperatura da cama, altos níveis de CO², sons externos, entre outros, podem influenciar negativamente. Diante disso, quanto melhor for o manejo dos parâmetros que interferem na ambiência de uma granja maior será o consumo de ração e água pelos animais.
Pesquisas realizadas pela Unversidade da Georgia avaliaram o comportamento das aves em diferentes fazendas. Atraves da utilização de aparelhos de alta precisão que detectam o consumo de água pelos animais foi possível identificar e avaliar o comportamento dos animais. Na imagem abaixo podemos notar o quanto as aves respeitam seu relógio biológico. As aves foram alojadas em 3 granjas diferentes e com diferentes programas de luz, porém expressaram um comportamento muito parecido, intercalando consumo de água/ração e momentos de sono.
Figura 1. Consumo de água durante a primeira semana em diferentes galpões de frango de corte. (Czarick et al, 2020)
Czarick et al, (2020) destaca que mesmo manejando o programa de luz de maneira contínua, as aves expressaram fortemente seu ciclo circadiano. Por mais que não tenhamos um período definido de escuro para o sono dos animais, elas adaptam-se, e em algum momento do dia as aves irão dormir.
O grande problema do manejo de luz continua é que o relógio biológico das aves pode ser “desregulado”, assim, os animais perdem o tempo de rebanho, e começam a ter um ciclo individual (CZARICK et al 2020). Com isso, todo o estímulo natural que é gerado pelo ciclo de atividade em rebanho pode ser afetado.
O período de escuro fornecido para as aves é essencial para a produção de melatonina através da glandula pineal (Pandi-Perumal, et al 2006). Pesquisas tem demonstrado que a melatonina tem ação hipotérmica, auxiliando no controle da temperatura corporal de diversas espécies, inclusive as aves. (KRAUCHI e DEBOER, 2010; PANDI-PERUMAL, et al 2006).
Segundo Czarick (2020), logo nos primeiros dias de criação as aves passam cerca de 50% do dia descansando ou dormindo. Ele explica que se fornecêssemos períodos curtos de escuro já nos primeiros dias, as aves teriam uma melhor adaptação ao escuro, pois estaríamos ajustando o relógio biológico das aves ainda no início do ciclo de criação, priorizando o comportamento em bando destas.
Na imagem abaixo, percebemos que o programa de luz teve início apenas no 6° dia de idade, o que provocou uma mudança abrupta, ocasionando estresse às aves, e consequente queda no consumo de água.
Figura 2. Diminuição do consumo de água devido mudança abrupta no programa de luz. (Czarick et al, 2020)
Muitas vezes ficamos discutindo qual é o programa de luz ideal para as aves, seja na quantidade do tempo de escuro, ou ainda, qual é o melhor momento do dia para fornecer o período de escuro. Entretanto, muito mais importante que o programa de luz em si, é seguir os horários de maneira rígida, evitando alterações frequentes e abruptas que possam gerar algum estresse para as aves.
Respeitar principalmente o horário em que a luz será desligada é muito importante, pois através do seu relógio biológico, as aves “sabem” o horário em que a luz será cortada, e assim, ajustam o consumo de alimentos antes do período de escuro. Caso não tenhamos esse cuidado em respeitar o programa de luz rotineiramente, temos uma grande chance de desregular o horário biológico da aves, prejudicando o consumo de alimentos.
Na imagem abaixo, podemos visualizar de maneira prática a queda no consumo de água após uma mudança abrupta no programa de luz. Neste caso, o consumo normal de água só foi restabelecido 2 a 3 dias após a mudança – tempo necessário para uma nova adaptação pelos animais.
Figura 3. Mudança no comportamento das aves. (Czarick et al, 2020)
As aves produzem muito calor endógeno ao final do ciclo de criação, portanto, caso tenhamos um lote em uma região quente, em que a granja não tenha uma ambiência adequada e as aves sejam manejadas com longos períodos de escuro, isso pode ser muito prejudicial para o seu desenvolvimento e bem-estar. Neste momento que antecede o periodo de escuro, existe um alto consumo de água, que tem a função de auxiliar na hidratação, digestão e termorregulação corporal da ave durante o período de sono. Além do cuidado com o programa de luz, a luminosidade da granja também é um fator de muita importância no comportamento das aves. É preciso um galpão com boa luminosidade, seja na intensidade como também na uniformidade do galpão. Apesar da luz incentivar as aves, os animais quando jovens tendem a buscar locais mais escuros, o que pode diminuir sua atividade, aumentar a densidade nos locais mais escuros e diminuir o consumo de alimentos.
Czarick et al, (2020) também avaliaram os ciclos de atividade das aves. Foi percebido que existe uma mudança em seu comportamento quanto ao tempo e frequência dos ciclos de atividade com o avanço do lote.
Nos primeiros dias e semanas, temos uma maior quantidade dos ciclos de atividade, porém o tempo dos ciclos de atividade é menor (Figura 4). Nas fases inicias temos ciclos de atividade que podem variar entre 30 e 60 minutos.
Figura 4. Ciclos de atividade em aves com 3 dias de idade. (Czarick et al, 2020)
Esta mudança pode estar relacionada à baixa capacidade de ingestão, grande quantidade de períodos de sono e a um metabolismo acelerado – caracterizado pela rápida taxa de crescimento dos animais – que pode ser de 4 a 5 vezes mais intensa nos primeiros 7 dias.
Com o avanço da idade e desenvolvimento das aves, ocorre uma diminuição do espaço interno do galpão e aumento da capacidade de ingestão das aves, o que naturalmente tende a diminuir a quantidade dos ciclos de atividade, no entanto, o tempo dos ciclos acaba sendo maior.
Com as aves já em idade adulta, normalmente existem apenas dois grandes ciclos de atividade, sendo um antes e o outro após o período de escuro (Figura 5). No terço final da criação do frango de corte o tempo dos ciclos de atividade pode variar entre 4 a 6 horas (Czarick et al, 2020).
Figura 5. Picos de consumo de água em aves no período final da produção. (Czarick et al, 2020)
Com isso, a preocupação não gira em torno apenas de se fornecer uma boa ambiência, mas também quanto a dois pontos importantes: suprir a demanda e facilitar o acesso aos alimentos, uma vez que o consumo final aumenta muito. Nesse sentido, o dimensionamento dos equipamentos do galpão, bem como a sua regulagem, é imprescindível para que o ambiente de criação das aves, esteja dentro de suas condições ideias de criação.
A utilização de divisórias para evitar a migração das aves, assim como pontos de densidade elevada, manejo de aquecimento, luminosidade e controle da qualidade do ar, através do manejo adequado dos ventiladores/exaustores, utilização correta de nebulizadores e painel evaporativo, além da quantidade e regulagem adequada de comedouros e bebedouros/nipples, são essenciais e fazem toda a diferença no desempenho dos animais.
Considerações
As aves são animais inteligentes e tendem a migrar de um lado para o outro dentro do galpão, com o objetivo de buscar o melhor lugar, seja para estar em um local com uma melhor sensação térmica e/ou em locais com facilidade de acesso seja buscando a oferta adequada de alimentos.
Entender a dinâmica de funcionamento de um galpão e seus equipamentos, bem como o comportamento das aves, é primordial para que se possa ajustar o manejo de acordo com a idade e necessidade dos animai e, assim, propiciar um ambiente controlado, em que as aves possam expressar todas as suas características.
Referências
Czarick, M.; Mou, C.; Fairchild, B. The cyclic nature of chicks. Poultry Housing tips. 2020, Volume 32, n 4.
Krauchi, K.; Deboer, T. The interrelationship between sleep regulation and thermoregulation. Front. Biosci 2010, 15, 604–625.
Pandi-Perumal, S.R.; Srinivasan, V.; Maestroni, G.J.; Cardinali, D.P.; Poeggeler, B.; Hardeland, R. Melatonin: Nature’s most versatile biological signal? FEBS J. 2006, 273, 2813–2838.
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