O impacto da qualidade da fonte de cálcio para poedeiras
Quando falamos em nutrição de poedeiras, o cálcio figura dentre os principais nutrientes necessários para o bom desempenho, pois é o mineral mais abundante no organismo e faz parte do sistema esquelético, onde 99% do cálcio do organismo se encontra, além de estar presente em diversas reações metabólicas e formação de tecidos (Suttle, 2010). O cálcio ativa grande número de enzimas tais como adenosina-trifosfatase (ATPase), desidrogenases, succinases e lipases. Este mineral é necessário para manter a permeabilidade da membrana, além de estar envolvido na transmissão da contração muscular e no controle dos impulsos nervosos, assim como na excitabilidade neuromuscular. (Vilar da Silva & Pascoal, 2014).
Por Rafael Souza, Nutricionista de Aves
O cálcio é considerado essencial na formulação de rações, já que a falta deste acarreta severas perdas produtivas, além de má formação de tecido ósseo e no controle das funções celulares dos tecidos nervoso e muscular e, também, nas atividades hormonais (VIAPIANA, 2015). Sua absorção depende de vários fatores, incluindo a disponibilidade de minerais, cálcio e níveis séricos de fósforo, vitamina D3, Hormônio paratireóide, pH gastrointestinal, teor de fibra, gordura e granulometria mineral na dieta (Stringhini, 2004).
O conhecimento dos níveis ideais de cálcio para cada fase é de suma importância, visto que este mineral é fundamental para a integridade óssea, uma superoferta destes minerais nas dietas, pode ocasionar em aumento nos custos de ração e poluição do meio ambiente. A exigência de cálcio varia de acordo com a idade, à medida que a fase de produção se aproxima os níveis devem ser incrementados, pois a demanda aumenta em mais de 4 vezes quando comparamos as primeiras semanas de vida com as primeiras semanas de produção. Apesar da idade das aves ser um importante balizador para a determinação da exigência, o peso corporal e o consumo de ração devem ser critérios fundamentais para a mudança na dieta. A alta ingestão de cálcio promove uma redução na expressão de mRNA do seus transportadores, pois suas principais vias de absorsção são a transcelular, mediada por transportadores de membrana, e a paracelular, mediada pelas claudinas.
Principais fontes de cálcio
A principal fonte de cálcio em dietas animais é o calcário, uma rocha encontrada em abundância em todas as regiões do planeta, apresenta variação em sua composição e por este motivo torna-se necessário uma atenção maior em relação a qualidade, uma vez que precisamos saber o que está complexado a este cálcio, e isto só conseguimos com frequentes análises em laboratório, principalmente para qualificar os fornecedores e sempre buscar fontes confiáveis e de baixa variação. Abaixo um compilado das principais fontes de cálcio utilizadas em rações e sua disponibilidade.
Tabela 1. Principais fontes de cálcio utilizados em rações animais
Fonte |
% do mineral |
Biodisponibilidade |
Farinha de ossos autoclavada |
29,0 (23-37) |
Alta |
Fosfato de rocha desfluorizado |
29,2 (19,9- 35,7) |
Intermediária |
Carbonato de Cálcio |
40,0 |
Intermediária |
Fosfato mole |
18,0 |
Baixa |
Calcário Calcítico |
38,5 |
Intermediária |
Calcário Dolomítico |
22,3 |
Intermediária |
Fosfato Monocálcico |
16,2 |
Alta |
Fisfato Tricálcico |
31,0-34,0 |
Alta |
Fosfato Bicálcico |
23,2 |
Alta |
Sulfato de Cálcio |
20 |
Baixa |
Fonte: Mcdowell (2003), citado por Vilar da Silva & Pascoal, (2014).
Impacto da granulometria do calcário no desempenho
O tamanho das partículas dos ingredientes utilizados nas rações influencia a digestibilidade dos nutrientes e compromete o desempenho produtivo. O uso inadequado das fontes de Ca e de P ocasiona prejuízo aos ossos das aves, perdas na qualidade de casca, bem como diminuição da vida produtiva da poedeira (Jardim Filho et al., 2005). A granulometria do calcário deve apresentar baixo teor de sílica e elevadas restrições aos elementos arsênio e flúor (Sampaio e Almeida, 2008). Na prática, para aves de reposição até as 10 semanas de idade é recomendável a ingestão do calcário com granulometria mais fina e, a partir da 10ª, a recomendação é uma dieta com 50% das partículas entre 2 a 4mm para um melhor desenvolvimento do sistema digestório, em particular, a moela.
Na fase de produção é importante que haja um equilíbrio entre a proporção de partículas finas e grossas do calcário, as partículas finas de calcário serão mais rapidamente utilizadas pelo organismo e as partículas mais grossas são as responsáveis por uma liberação mais lenta de cálcio, ofertando um aporte durante o período de formação da casca, que dura em torno de 20 horas.
Araujo et al. (2011) avaliando o impacto de três níveis de cálcio (3,92; 4,02 e 4,12%) e duas granulometrias do calcário (fina - 0,60 mm; e grossa - 1,00 mm) sobre o desempenho de poedeiras observaram diferenças na produção de ovos, massa, conversão por massa e conversão por dúzia de ovos, obtendo os melhores resultados quando se utilizou o nível de 4,12% de cálcio na dieta. O peso relativo da moela melhorou com o aumento na granulometria do calcário de 0,60 para 1,00 mm. Os autores ainda verificaram efeito da interação entre nível de cálcio e granulometria do calcário para a resistência à quebra da tíbia, a densidade óssea, o comprimento do intestino delgado. Neste estudo, o nível recomendado foi de 4,12% de cálcio e calcário na granulometria grossa (1,00 mm). Pelícia (2008) avaliando níveis de cálcio e granulometria de calcário na dieta de poedeiras relatou que a combinação do nível de cálcio (4,5%) na dieta com substituição do calcário fino pelo grosso em 38% proporciona melhor qualidade de casca e maior número de ovos viáveis para comercialização. Saunders-Blades et al. (2009), afirmaram que dietas contendo partículas grossas de calcário pode melhorar a bem-estar de galinhas poedeiras, reduzindo os casos de osteoporose e prevenindo o sofrimento das aves com ossos quebrando no final do ciclo de produção.
O impacto da solubilidade na composição mineral do calcário e na digestibilidade de nutrientes
Os valores de digestibilidade das rações podem variar de acordo com as características do ingrediente que é adicionado. Para o calcário há grande variação no tamanho de partícula, na solubilidade e na concentração de Ca nas fontes, sendo a granulometria uma das principais causas da variabilidade obtida nos resultados (SA & BOYD, 2017). Para o calcário de moagem fina, a solubilidade deve variar entre 50 e 70%, e para o calcário de partículas grossas este valor deve encontrar-se em torno de 20-40%, de acordo com Zhang & Coon (1997). Na prática, deve-se encontrar o equilíbrio entre as proporções de calcário fino e grosso nas rações, levando sempre em consideração a solubilidade da fonte mineral a ser utilizada.
Tabela 2. Composição mineral, solubilidade e tamanho de partículas de calcários encontrados no Brasil
Variáveis |
Média |
Mínimo |
Máximo |
CV% |
Flúor (mg/kg) |
456,36 |
88,46 |
4.227,77 |
182,18 |
Mercúrio (ppb) |
8,53 |
1,92 |
26,88 |
78,17 |
Matéria Mineral (%) |
98,93 |
96,64 |
99,69 |
0,68 |
Cálcio (%) |
36,83 |
33,55 |
39,07 |
3,59 |
Magnésio (%) |
0,43 |
0,12 |
2,19 |
108,52 |
Solubilidade de Calcário (%) |
35,61 |
24,66 |
51,45 |
22,29 |
DGM (μm) |
750,36 |
98,00 |
3.129,00 |
114,04 |
DPG |
2,15 |
1,15 |
2,70 |
25,78 |
Fonte: Krabbe et al., 2014.
Como podemos observar na tabela acima, há grande variação nas amostras analisadas das fontes de calcários brasileiros, principalmente nos teores de flúor, magnésio e no diâmetro geométrico médio (DGM) que indica o valor médio do tamanho das partículas da amostra. Os autores ainda ressaltam que a solubilidade é um aspecto que precisa ser melhor avaliado, uma vez que, mesmo amostras com partículas pequenas apresentaram baixa solubilidade.
O magnésio é um importante mineral que está presente em quantidades variáveis nas jazidas brasileiras. Porém, para classificar um calcário em calcítico e que o mesmo seja indicado para uso na alimentação das aves e conhecimento de sua solubilidade, deve-se garantir um teor máximo de 3% deste mineral, reduzindo assim a solubilidade do calcário, independente da granulometria, a medida que se reduz o teor de magnésio. Com isso, a solubilidade e granulometria precisam estar equilibradas de tal forma que a ave possa aproveitar de forma eficiente este mineral. O impacto negativo da ingestão de altos teores de magnésio possui ação antagônica ao cálcio, pois competem pelos mesmos sítios de ação e alteram a permeabilidade intestinal, tendo a diarréia como consequência e trazendo consigo problemas, como a maior incidência de ovos sujos.
Conforme verificado por Krabbe et al. (2014), o flúor também apresentou alta variação dentre as fontes de calcário analisadas. Chang et al. (1977) verificaram que o aumento de flúor na dieta reduz a absorção de fósforo e aumenta a excreção de cálcio, alterando sua deposição óssea e comprometendo todo o metabolismo deste mineral.
Considerações finais
A análise periódica da fonte de cálcio utilizada nas rações é de suma importância, pois a alta variabilidade em sua composição e granulometria impacta diretamente na produção de ovos, influenciando desde a deposição mineral na casca, o que afeta parâmetros de qualidade interna e externa, até a maior incidência de ovos sujos e consequentemente contaminados.
Referências
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Rafael Souza
Nutricionista de Aves