Biosseguridade e os desafios virais na avicultura

Por Felipe Ferreira de Souza

As doenças avícolas virais estão muito associadas à perda de desempenho do plantel e consequentes prejuízos aos produtores. Cada vez mais é importante estarmos atentos à imunidade das aves ao longo de sua vida produtiva e, em especial, nos primeiros dias de vida da ave, onde são totalmente dependentes da imunidade passiva, contra específicos agentes.

Em frangos de corte, além da vacinação obrigatória contra o vírus da doença de Marek (família Herpesvíridae), é necessária a imunização contra outros vírus, que também são responsáveis por enormes prejuízos zootécnicos ao produtor que não acompanha ou realiza a gestão do status sanitário de sua granja.

Existem vários vírus que impactam negativamente a saúde do plantel, especialmente o vírus da bronquite infecciosa das galinhas (VBIG – pertencente à família Coronaviridae); o vírus da doença infecciosa da bolsa de Fabrício ou doença de Gumboro (pertecente à familía Birnaviridae); os Reovírus (pertencentes à família Orthoreovírus) e as Adenoviroses (pertencentes à família Adenoviridae), respectivamente.

Neste artigo, daremos enfoque a estes 4 vírus, que possuem alta notoriedade.

Em matrizes reprodutoras, os programas vacinais voltados à proteção da progênie também seguem a linha de proteção contra outras enfermidades virais que possuem alta taxa de passagem de imunidade materna, entre elas estão o Reovírus; a anemia infecciosa (família Circoviridae) e a encefalomielite (família Picornaviridae), além das anteriormente citadas.

Bronquite Infecciosa das Galinhas (BIG)

Definida como uma doença infectocontagiosa com manifestações respiratórias, renais, reprodutivas e entéricas, esta enfermidade acomete também poedeiras comerciais e reprodutoras e é causada por uma grande diversidade de vírus, com ampla disseminação mundial.

A importância da BIG reside nas perdas econômicas ocasionada devido à diminuição da produção de ovos, com alterações de conteúdo interno e de casca; geração de falsas poedeiras; infertilidade; retardo no crescimento; aumento na susceptibilidade a infecções secundárias em razão de lesões no trato respiratório e, em casos graves, mortalidade moderada a severa.

A BIG dissemina-se pela via horizontal de forma rápida e por contato direto ou indireto. O local primário de replicação viral é o trato respiratório superior, independente da cepa ou característica patogênica do vírus.

O patótipo do vírus define-se como o responsável por causar lesões em diferentes tipos de células ou tecidos. Por exemplo, há amostras capazes de causar lesões em rins, sendo denominadas nefro patogênicas, enquanto outras causam lesões no trato reprodutivo e outras ainda, mais classicamente, causam lesões no trato respiratório.

Vírus da doença de Gumboro

A doença de Gumboro acomete aves principalmente entre 10 e 28 dias de idade - período relacionado ao desenvolvimento da Bolsa de Fabrício - e caracteriza-se pela intensa imunodepressão que acomete as aves infectadas. Aves positivas para Gumboro tendem a ter o status de saúde mais afetado, pois adoecem mais facilmente.

Este órgão cresce rapidamente durante as três semanas de vida da ave - período marcado pela intensa colonização dos tecidos linfoides periféricos (baço, medula óssea, tonsilas cecais e outros tecidos linfoides) com linfócitos B. Quanto mais tempo permanece intacta a bolsa, menor será a imunossupressão. A queda de imunidade pode alcançar seu grau máximo em aves infectadas no primeiro dia de idade e em menor grau após quatro semanas. Geralmente a infecção ocorre no decréscimo dos anticorpos maternos após 2 a 3 semanas de idade.

Aves afetadas apresentam lesões na bolsa, podendo haver evidências de infecções bacterianas ao redor da terceira a quarta semanas de idade ou podendo demonstrar alterações em sua capacidade de reagir perante estímulos antigênicos - comprometendo a resposta imune para outras doenças infecciosas.

A infectividade é elevada, pois pequenas doses do vírus são suficientes para a instalação da infecção na ave.

Os surtos iniciais são geralmente agudos e uma elavada proporção de aves é acometida, isto é, nem sempre a totalidade adoece. Como o vírus de Gumboro apresenta alta imunogenicidade, anticorpos são produzidos nos organismos das aves sobreviventes, protegendo-as contra surtos futuros. Além disto, favorecem a proteção dos pintinhos, através da imunidade transferida passivamente pelo saco vitelínico, que não adquire doença ou a adquire de forma menos severa. Enquanto a imunidade perdurar na população, os surtos pelo mesmo sorotipo serão menos graves. À medida que esta imunidada é reduzida, a população volta a se tornar suscetível, ou seja, sem imunidade de espécie alguma.

Em monitoramento a campo, devemos ter atenção aos tamanhos de bursas, uniformidades, consistências e, internamente, observar alguns aspectos, como a ausência/presença de petéquias, hemorragias, etc; assim como ter acesso a resultados de hemogramas para análise dos títulos de proteção vacinal.

Adenoviroses

As adenoviroses são viroses da família Adenoviridae. As infecções por Aviadenovírus são comuns em aves comerciais e o sistema de criação intensificada, em locais com múltiplas idades, favorecem a sua disseminação. A presença de adenovírus aviários em embriões, em função da transmissão vertical de reprodutoras infectadas, é fator determinante para a perpetuação na produção avícola.

A transmissão horizontal, a partir da contaminação de fômites (utensílios de granja como, bandeja de ovos, comedouros, bebedouros), pessoal e proximidade a outras criações de aves portadoras, ocorre em falhas na biosseguridade das propriedades, colocando em risco a saúde dos planteis, em especial, a dos reprodutores.

Deve-se considerar que, em relação às Adenoviroses, há grandes vantagens se os plantéis reprodutores forem livres de infecção e mantidos em biosseguridade.

Os quadros clínicos mais consistentemente associados aos Aviadenovírus são a hepatite por corpúsculo de inclusão e hepatite hidropericárdio - doenças multifatoriais, em que a depressão imune tem papel decisivo como condição potencializadora. Já a bronquite das codornas é uma doença potencialmente severa em codornas Calinus e Coturnix jovens. Além disso, quadros de pancreatite necrótica e erosão de moela foram descritos em frangos de corte.

Os Aviadenovírus têm sua importância econômica, visto os altos impactos que ocasiona e atuam especialmente na redução da produtividade, agravando a patogenia de outros agentes infecciosos ou não, tornando-se, portanto, relevantes por sua alta disseminação.

Reovírus

As Reoviroses são infecções por vírus da família Reoviridade. As Reoviroses têm alta importância na avicultura industrial por interferirem negativamente na produtividade e viabilidade econômica dos lotes. As infecções por Reovírus estão disseminadas na avicultura industrial mundial. Por sua alta disseminação, os Reovírus têm sido isolados frequentemente em associação a outros patógenos.

As doenças nas quais os Reovírus têm sido resignados, como etiologia primária mais consistente, são a artrite tenossinovite viral e a síndrome da má absorção (enterites virais).

Os Reovírus aviários estão disseminados e podem estar presentes no sistema digestório e respiratório das aves industriais Gallus e em Maleagris saudáveis. As funções respiratórias e, especialmente, intestinais, podem ser comprometidas, havendo redução da viabilidade econômica da atividade, aumento da mortalidade e da conversão alimentar.

Além da artrite, enterite e doença respiratória, há também relato de Reovírus aviário em doenças do sistema imune. A cepa viral e a dose do vírus são determinantes para o curso da doença. A sua transmissão ocorre via vertical e horizontal.

Em reprodutores infectados, a transmissão vertical parece diminuir com o avanço da idade das matrizes - à medida que uma sólida resposta imune é estabelecida nestas.

Há, entretanto, variações entre as cepas quanto à habilidade de transmissão. Secreções respiratórias (aerossol/expectoração) e intestinais (fezes), podem conter vírus e permitir a sua transmissão horizontal, sendo a principal via de transmissão entre aves de aspecto saudável, além da fecal-oral. A localização articular e nas tonsilas cecais da infecção em aves infectadas quando jovens, pode permitir um estado portador por meses. (Marquart et al 1983; Jones e Nwajei, 1985).

Existem variações entre as cepas isoladas, o que pode mascarar o processo de vacinação e a capacidade de produzir a doença, bem como levar à diminuição da susceptibilidade com o avanço da idade. As aves mais jovens tendem a apresentar infecções mais disseminadas e severas. Infecções experimentais com cepas do gênero Orthoreovirus mais patogênicas resultaram em infecção generalizada, o que afetou o baço, timo, bolsa de Fabrício, fígado e tendão do gastrocnêmio (Roessler e Rosemberger, 1989). Em galinhas, perus e patos, a doença pode ser sistêmica com prostração, doença respiratória, diarreia com oportunismo infeccioso, por exemplo E. coli ou local na articulação, ou ainda, em processos crônicos de nanismo infeccioso.

Aves doentes têm dificuldade locomotora, andar claudicante e recusam-se a caminhar em consequência do edema e dor articular.

Considerações finais

Diante de tantos desafios na avicultura moderna, surgem várias oportunidades de olharmos os planteis com outros olhos, sempre voltados à sanidade e para todas as opções que temos em mãos para monitorarmos cada lote.

Na avicultura várias estratégias surgem a todo momento, a fim de nos auxiliar a conviver com tantos patógenos que circundam a produção avícola e as vacinas possuem papel fundamental neste processo. A eficiência de produção é essencial e conviver com os patógenos mesmo que em forma subclínica pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma empresa neste setor.

Precisamos nos atentar a mais que resultados zootécnicos. Precisamos atender à demanda dos consumidores cada vez mais apegados a conceitos, como bem-estar animal, ausência de drogas antimicrobianas e outros, tudo isto visando o melhor custo-benefício possível. Neste cenário, as vacinas, juntamente a programas de biosseguridade e vazio sanitário, não podem ser negligenciados.

Referências

Edição 135 – AviSite JUNHO 2021 Ano XII PÁGS 26 E 27 - O Portal da Avicultura na Internet.  A importância da medicina preventiva nos desafios da sanidade. Especial sanidade avícola.

Livro Doenças das Aves – 2ª Edição; Angelo Berchieri Jr; José Di Fábio; Edir Nepomuceno Silva; Luiz Sesti; Marcelo A. Fagnani Zuanaze. Seção 5 – Enfermidades Virais – págs 569 a 787