A qualidade intestinal e o sucesso da produção avícola

15 setembro 2021
-
3 minutos

Dos grandes temas ligados à área da nutrição animal, incontestavelmente a qualidade intestinal é um dos assuntos de maior importância e dos mais estudados ao longo dos anos. O elevado peso que a dieta tem sobre o custo de produção, a importância dos bons índices zootécnicos, da imunidade e do status sanitário da ave, são fatores primordiais para o sucesso da produção avícola, uma vez que estão inter-relacionados à eficiência com que o sistema digestório consegue converter os alimentos em nutrientes, absorvê-los e utilizá-los como combustíveis para o desenvolvimento corporal e produção de proteína animal.

Para a ração – que pode chegar a representar mais de 70% do custo de produção – ser devidamente digerida e absorvida, a mucosa intestinal precisa apresentar características estruturais e morfofisiológicas adequadas. Os processos de absorção são dependentes de mecanismos de transporte que ocorrem na membrana das células epiteliais da mucosa, portanto, essas estruturas são a porta de entrada dos nutrientes para o desenvolvimento da ave, sendo assim é de vital importância a manutenção de sua integridade e funcionalidade (Maiorka, 2004).

Não bastasse a função nutricional do intestino, hoje se conhece muito bem a importância desse órgão também para a imunidade das aves. O intestino é a principal barreira contra a entrada de patógenos, apresentando estruturas diretamente ligadas ao sistema imunológico, como o sistema GALT (Gut Associated Lymphoid Tissue) – que corresponde a 80% do sistema MALT (Mucosal Associated Lymphoid Tissue).

O intestino é hospedeiro de milhares de células microbianas – em sua maioria bacterianas – que formam uma complexa comunidade interconectada com todos os processos físicos, químicos e biológicos da ave.

Segundo Carrasco (2019) essa microbiota desempenha papel fundamental com relação à manutenção da saúde intestinal, graças à sua capacidade de modular as funções fisiológicas do hospedeiro – necessárias para manter a homeostase intestinal, principalmente através da exclusão de microrganismos prejudiciais. O número e composição dos microrganismos da microflora intestinal das aves variam consideravelmente ao longo do trato gastrointestinal (TGI). O ceco é reconhecido como o segmento de maior colonização de microrganismos, sendo que grande número de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas estão presentes neste local.

A mucosa intestinal apresenta vilosidades ou vilos, que proporcionam o aumento da superfície interna do órgão, ou seja, da área de digestão e absorção intestinal. Os vilos são revestidos por epitélio simples, constituído por três tipos celulares: células caliciformes, os enterócitos e as células enteroendócrinas, que respondem em geral pela defesa, digestão e absorção, regulação desses processos e pela proliferação e diferenciação desses mesmos tipos celulares, respectivamente. As células caliciformes são especializadas em secretar uma mistura de glicoproteínas denominadas mucinas, formando o muco gastrointestinal (BOLELI IC, et al 2002).

Outros elementos também estão presentes na mucosa intestinal de frangos, como o glicocálix – fundamental para manter a sanidade da mucosa intestinal – e o muco – que por sua vez, possui função protetora.

Diversos fatores, infecciosos e não infecciosos, podem afetar negativamente a integridade da mucosa intestinal. Dentre os principais podemos citar:

  • Protozoários: coccidiose (E. maxima; E. acervulina, E. tenella)
  • Bactérias: Clostridium perfringens, Clostridium colinum, Salmonella sp., Escherichia coli, entre outras enterobactérias
  • Vírus: Reovírus, Adenovírus, Rotavírus, Astrovírus, Enterovírus, Bronquite infecciosa;
  • Vermes: Nematódeos (vermes redondos: Ascaridea galli, Capillaria obsignata, Heterakis gallinarum) e Cestódeos (vermes chatos: Raillietina spp., Davainea spp.)
  • Fatores antinutricionais: inibidores de tripsina, polissacarídeos não amiláceos, hemaglutininas, gossipol, taninos, etc.
  • Qualidade da matéria-prima da ração: presença de micotoxinas, baixa solubilidade ou digestibilidade proteica, contaminação microbiológica, gorduras de baixa qualidade (peróxidos, acidez, rancidez, perfil de ácidos graxos), classificação física do milho, etc.
  • Ambiente e manejo: todos os fatores que reduzem o consumo de ração (regulagem de equipamento, controle de temperatura, ventilação, programa de luz etc.), nível de contaminação do aviário, manejo da cama, etc.
  • Diversos: qualidade da água, granulometria da ração, teor e tipo de fibra utilizados na dieta, período de jejum adotado após o nascimento, programas de aditivos empregados como ferramenta de controle, etc.

Em síntese, a presença de fatores estressantes como a baixa qualidade de ingredientes, falhas de manejo, deficiências quanto à biosseguridade e a presença de enfermidades, podem levar a quadros de disbiose intestinal, causando diarreias, distúrbios hepáticos, enterites, queda na digestão e absorção de nutrientes, etc.

Manter toda essa estrutura saudável não é tarefa fácil nem barata. McBride & Kelly (1990) estimaram que a manutenção do epitélio intestinal e estruturas anexas de suporte tem custo de 20% da energia bruta consumida pelo animal. Com base nestas informações é importante estar atento ao fato de que parte da energia ingerida pelas aves é destinada à manutenção da mucosa e quanto maior a necessidade de reparo da mesma menor será a energia líquida de produção. Além do custo energético, existe ainda o investimento em programas de aditivos que visam auxiliar na manutenção da saúde intestinal. Estes programas, sejam químicos convencionais, alternativos ou ambos, apresentam custo relativamente baixo frente ao custo total da dieta, porém numericamente chegam a um valor bastante expressivo dependendo do plantel.

É evidente que a saúde intestinal está intimamente relacionada ao sucesso da produção avícola – sobretudo nesse momento de redução plena do emprego de aditivos antibióticos – deste modo, é primordial que as empresas reflitam, avaliem e intensifiquem todos os processos que podem afetar direta ou indiretamente a qualidade intestinal das aves, sob a pena de comprometer severamente os resultados técnicos e financeiros da operação.

 

Referências

Carrasco, J. M. D., Casanova, N. A., & Miyakawa, M. E. F. (2019). Microbiota, gut health and chicken productivity: what is the connection? Microorganims, 7(10), 374. doi: 10.3390/microorganisms7100374

MAIORKA, A. 2004.Impacto da saúde intestinal na produtividade avícola. Anais do V Simpósio Brasil Sul de Avicultura. Chapecó, Santa Catarina, Brasil, 119–129.

MCBRIDE, B.W.; KELLY, J.M. Energy cost of absorption and metabolism in the ruminant gastrointestinal tract and liver: a review. Journal of Animal Science, v.68, n.9, p.2997-3010, 1990.

Boleli IC, Maiorka A, Macari M. Estrutura funcional do trato digestório. In: Macari M, Furlan RL, Gonzales E, editores. Fisiologia aviária aplicada a frangos de corte. 2ª ed. Jaboticabal: FUNEP/UNESP; 2002. p.75-95.